Crítica | Ainda Estou Aqui - A dor permanece, mas a esperança também. 'Ainda Estou Aqui' é um filme raro que não tem medo de admitir que a esperança não existiria sem dor.

Divulgação | Sony Pictures
TítuloAinda Estou Aqui (Título original)
Ano produção2023
Dirigido por
Walter Salles 
Estreia
07 de novembro de 2024 (Brasil)
Duração 136 Minutos
Classificação14 - Não recomendado para menores de 14 anos
Gênero
Drama
País de Origem
Brasil - França
Sinopse

No início da década de 1970, o Brasil enfrenta o endurecimento da ditadura militar. No Rio de Janeiro, a família Paiva - Rubens, Eunice e seus cinco filhos - vive à beira da praia em uma casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece. Eunice - cuja busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estenderia por décadas - é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos.

• Por Alisson Santos 
• Avaliação - 8/10

O diretor de 'Central do Brasil (1998)', 'Diários de Motocicleta (2004)' e 'Linha de Passe (2008)', apresentou "Ainda Estou Aqui" e muita emoção tomou conta do público na cabine seguida de coletiva em São Paulo. Além dos méritos cinematográficos, é impressionante a sensibilidade de Walter Salles ao lembrar o que aconteceu nas ditaduras militares que devastaram vários países da América Latina, e "Ainda Estou Aqui" se torna ainda mais necessário quando em todo o mundo existe uma corrente que põe em causa a virtude da memória e relativiza até o repúdio e a crítica aos governos e às suas práticas criminosas.

O ano é 1971 e o Brasil está atolado em uma ditadura militar. Salles foca no que aconteceu com o ex-deputado federal Rubens Paiva, desaparecido pelo governo, e no impacto que isso causa em sua família, que empreende o difícil caminho de tentar descobrir a verdade dos acontecimentos e fazer justiça. Rubens Paiva aparece no início do filme, até seu sequestro. O eixo narrativo centra-se na figura da esposa do desaparecido, Eunice Paiva, mãe de cinco filhos, que nunca desiste de lutar.

O filme foca mais na dinâmica familiar do que no conflito político. É o impacto da violência absurda nesta família burguesa, no seu pequeno mundo, que expõe a crueldade do governo criminoso. Memória, verdade, justiça. Os detalhes do cotidiano da família não só reconstroem um modo de vida perdido para sempre, mas também mostram como o plano das ditaduras funcionou em muitos aspectos.

Existe uma música de 'O Rappa', chamada Auto-Reverse, ela possui um determinado trecho onde é citado "Somos luzes, que faíscam no caos", Eunice Paiva é exatamente isso em "Ainda Estou Aqui". Ela se via como uma matriarca solidária acima de tudo. Mesmo nos momentos mais sombrios de sua família se encontrando na mira do regime, incluindo seu breve período de encarceramento, ela insistiu em manter um rosto alegre e confiante para as crianças.

Divulgação | Sony Pictures

À medida que “Ainda Estou Aqui" avança, Fernanda Torres consegue ilustrar melhor a calcificação da determinação de Eunice. O filme é melhor quando dá à sua personagem central o espaço para processar sua dor. No entanto, esses momentos são raros e distantes entre si, já que a adaptação de Murilo Hauser e Heitor Lorega do material de origem de Marcelo Rubens Paiva favorece uma esteira rolante de enredo em vez do desenvolvimento do personagem. Uma das coisas mais importantes na vida de Eunice é quase uma mera nota de rodapé, com o fatídico uso da passagem de tempo.

"A casa é um personagem", comentou Walter Salles na coletiva. E é exatamente isso, o filme atinge-nos também ao permitir-nos contrastar as mudanças produzidas em torno dos personagens através do local que eles vivem. No começo do filme, quando essa família está reunida e feliz, essa casa é iluminada e vívida. Quando essa família perde o seu patriarca, o ambiente adere aquela paleta de tons mais escuros. A música, também muito presente no início do filme, é substituída pelo silêncio. Isso é o filme deixando claro que a dor e o sofrimento que vemos a família Paiva passar não são exclusivos deles, mas, ao contrário, esse é o caso das famílias de muitas pessoas que o governo fez desaparecer.

Eu acho também muito interessante, como o filme dá vida a memórias em tomadas saturadas de 35 mm do diretor de fotografia Adrian Teijido. "Ainda Estou Aqui" é muito humano tecnicamente e, isso casa perfeitamente com a direção de Walter Salles.

Também não podemos deixar de pensar, nenhum dos responsáveis foi levado a julgamento ou preso. Nesse sentido, o momento em que a família espancada, exausta, mas de pé, comemora o reconhecimento pelo Poder Judiciário da morte do pai é paradigmático (e inesquecível). O papel dos poderes públicos, mas especialmente da mídia, também é colocado em disputa na narrativa. A necessidade de falar com a comunidade, de deixar, pelo menos, um registro. A dor permanece, mas a esperança também. "Ainda Estou Aqui" é um filme raro que não tem medo de admitir que a esperança não existiria sem dor.

"Ainda Estou Aqui" estreia dia 7 de novembro nos cinemas nacionais.

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